Rua Lote Novos número 10. Esse com certeza foi o endereço que me rendeu o maior número de memórias da adolescência. Cheguei lá com doze anos e saí com vinte, quando fui voluntário para servir o Exército, na fronteira com o Paraguai. O nome da rua explica tudo, era um dos últimos sítios do bairro que estava sendo loteado. O erro de concordância denunciava o nível de escolaridade dos negociantes.
- Poderia colocar um nome mais criativo – Pensei várias vezes comigo mesmo. A Prefeitura adotou o nome escolhido no registro, se é que ela foi registrada. O que importa é que as cartas chegavam.
Por ser um loteamento novo, não tinha energia elétrica na rua, então os moradores que puxavam ligações clandestinas da rua de baixo, o famosíssimo “gato”. Eram tantos que às vezes a rede sobrecarregava e todo o bairro ficava no escuro. Foi num desses dias que essa história começa. Ficamos um tempão aguardando a concessionária chegar para consertar. Aguardávamos sentados na calça pois dentro de casa era impossível de ficar por causa do calor. Estavam meus irmãos, primos, vizinhos e eu, todos na faixa de idade de treze a dezessete anos.
- Podíamos ir à praia amanhã – sugeriu alguém com a intenção real de reclamar do calor.
- Com que dinheiro? – perguntei. Ir à praia era um evento praticamente anual. Estávamos a pelo menos cinquenta quilômetros da praia, para qualquer que fosse o lado. Envolvia uma longa viagem de ônibus e precisava de planejamento, transporte e comida. Quando íamos, a ideia sempre era ficar o dia todo para aproveitar porque depois, só ano que vem.
- Vamos só com o dinheiro da passagem, quando der fome, voltamos. – meu primo lançou a ideia no ar. Logo, cada um começou a contar quanto tinha no bolso. O que conseguimos não dava para ir à praia, mas dava para ir para uma cachoeira que fica na cidade de Itaguaí, que é a cidade ao lado.
- Vamos para lá então, melhor rio do que mar, assim ninguém fica com sede. – Cada um se entendeu com seu pai, ou não, arrumamos uns pães com mortadela e uns envelopes de
pó-de-suco. Compramos um saco com três dúzias de laranjas, pegamos uma faca e uns copos, somente isso.
Acordamos umas seis horas da manhã e partimos. Chegamos lá pouco depois das oito da manhã. Duas horas de ônibus e mais uns vinte minutos de caminhada. Chegamos em uma parte do rio que era calmo, com várias profundidades. Lugar bom para brincar, nadar e mergulhar. Depois de algumas horas, achamos uma garrafa PET jogada, daquelas na cor verde. Enchemos ela de água, dividimos dois times e fizemos uma disputa. A garrafa era atirada no fundo, o time que trouxer a garrafa para a superfície, ganha um ponto. Valia brigar pela posse da garrafa, desde que fosse embaixo d’água. Fizemos várias sessões até que o placar ficou 3 a 2. A área devia ter mais de três metros de profundidade. Quando descia até o fundo, tinha que tirar a pressão do ouvido e ficava um tanto escuro, principalmente perto das rochas. Eu, nessa época, era magro, daqueles magro-de-ruim. Nadava bem, mas tinha dificuldades para mergulhar, o pulmão cheio dificultava a descida e isso foi me deixando cansado. Até que em uma das descidas eu encontrei com quem estava com a garrafa. Eu bati nela e ela foi para o fundo novamente. Ao invés de subir para pegar fôlego, eu continuei descendo para pegar a garrafa, todos subiram. Eu a peguei e comecei a subir. Dei uma braçada e percebi que meu braço estava lento.
- Estou me afogando – raciocinei. Eu sabia que a falta de oxigênio faz os movimentos ficarem lentos. Quando percebi, larguei a garrafa e comecei a dar braçadas com as duas mãos. Não entendi como ficou tão fundo onde eu estava, eu me sentia subindo, mas não chegava. Eu olhava para cima e podia ver os raios de luz entrando na água. Uma bela imagem para ser registrada.
- Falta pouco – pensava a cada braçada até que, percebi minha visão escurecendo, das bordas para o centro. Nesse momento eu já sabia, vou apagar. Não entrei em desespero, continuei a fazer o que precisava, estava quase lá, mais uma braçada. Não deu, minha visão escureceu e, ainda sentindo a água, me percebi inerte, flutuando como um astronauta, ainda com olhos abertos, sem ver e sem ouvir nada. Pensei na minha mãe e como ela iria receber a notícia. Até que senti paz e perdi a consciência.
Texto muito bom!
ResponderExcluirObrigado Rita.
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