Era noite, num dos bairros mais quentes da zona oeste do Rio de Janeiro. O bairro Senador Camará fica muito próximo a Bangu, que sempre registra as maiores altas de temperaturas da cidade mas, não era essa a característica mais marcante desta comunidade, e sim a violência.
Estávamos todos em casa: pai, mãe e meus quatro irmãos. Nossa casa era muito simples, alvenaria e laje, sem reboco ou acabamento. A porta principal era de madeira, daquelas utilizadas no interior da casa, porta de cômodos internos. Não tinha fechadura, a porta era trancada por uma corrente que passava por um buraco aberto na madeira da porta e era tancada por um cadeado. O Sol batia direto na casa o dia todo e os três pequenos cômodos viravam um forno, a ponto de meu pai, depois do por do Sol, molhar a laje, na esperança de esfriar um pouco o quarto antes de dormirmos. Ventilador, somente um, que cumpria a missão devido ao fato de dormirmos todos juntos. Ar-condicionado, não sabíamos o que era.
Estávamos todos no quintal, iluminado por uma única lâmpada acesa, que naquela época ainda era incandescente, luz amarela e aconchegante. Brincávamos todos juntos de qualquer coisa no quintal. Os cinco filhos tinham diferença de idade de um ou dois anos, o mais velho com doze e a caçula com 5. Não tínhamos vizinhos ainda, era um loteamento novo e a frente do nosso lote ainda era um sítio, com criação de porcos. Rua de terra batida, ainda sem calçada e sem iluminação pública. A falta de muro confundia os limites do terreno, que nos permitia ver as pessoas que raramente transitavam. A maioria das pessoas do bairro, trafegavam pela rua de baixo, paralela a nossa, que já era asfaltada e iluminada. Justamente por isso, as pessoas que vinham caminhando naquele momento nos chamaram a atenção.
Caminhando pela penumbra da rua, vinha se aproximando um homem, devagar, passos despreocupados e relaxados. Atrás dele, como que em fila indiana tinham outros, todos de arma na mão, com exceção de um, o que estava no meio. Cinco ao todo, dois armados na frente, dois armados atrás e um no meio, com as mãos amarradas com fio, e com o corpo enrolado em arame farpado. Mal conseguia andar. Roupas rasgadas e sujas. A camiseta sem manga denunciava o sangue que escorria dos seu braços e outras partes do corpo. Estava abatido, olhar baixo e resignado, como que sem esperança para o que o esperava.
Ficamos em choque. Eu, o mais velho, que tinha um pouco mais de entendimento, não sabia explicar o que estava acontecendo. Ficamos somente ali, parados vendo-os passar. Eles cruzaram a frente do terreno, até que o último deles se virou para o meu pai e disse:
- Boa noite.
- Boa noite – disse meu pai, que entendeu muito bem o tom da mensagem. Tão logo eles sumiram de vista, meu pai deu ordem;
- Entra todo mundo. – Sem gritar, sem pânico, sem ponderações. Todos entendemos e rapidamente, levantamos, apagamos a luz e nos deitamos. Trocamos cumprimentos de boa noite e eu te amo, como de costume mas dessa vez de forma bem baixinha, quase que um sussurro. Os mais sortudos, dormiram rápido e não perceberam o barulho de um único disparo, que poderia muito bem ter se confundido com qualquer outro som, se não tivéssemos certeza do seu destino.
Nossa! Isso foi um soco no estômago. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirObrigado Carlos, você tem prestigiado os textos e seu feedback tem sido motivador. Abraços.
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