Em um período muito complicado de nossa família, tivemos que nos mudar às pressas de onde morávamos. Ficamos pouco mais de um ano nesta casa. A vida estava apenas começando quando começamos a ter problemas com os vizinho e, por causa disso, fazer desafetos. Em um domingo à noite, voltávamos da reunião da igreja, já próximo das dez horas , quando fomos surpreendidos com um buraco na parede. Ladrões roubaram o pouco dinheiro que tínhamos e tudo que poderíamos utilizar como arma, como ferramentas e facas. O recado estava dado, tínhamos que sair.
Sem opções, dormimos duas noites na casa de um parente e depois fomos para a casa de amigos que tinham um quarto com banheiro desocupado. Estávamos lá de favor, até que pudéssemos arrumar um local para ficar. Eu, ainda criança, não me liguei em toda a seriedade do problema e onde fomos morar. Só o que observei é que a família que nos acolheu tinha quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Somados a mim e meus irmãos, éramos nove crianças em um quintal largo, com muita coisa para fazer. Brincávamos todo o tempo vago que podíamos. Uma parte do quintal tinha galinhas soltas e uma horta onde nos escondíamos, e esse era meu parque de diversões, numa época sem TV e vídeo games.
A casa ficava num morro bem íngreme, sem pavimentação na época. Não havia muros, somente cercas de arame com muita vegetação, parte delas tinham trepadeiras que tapavam parte da visão. Muitas vezes nos escondíamos na horta para ficar olhando as pessoas do outro lado da cerca, que venciam num ritmo cansado o final da ladeira, pois a casa ficava praticamente no topo. Após ela, havia apenas mais uma casa e bem no alto um bar e mercearia que nos salvava de ter que descer e subir o morro, caso fosse necessário comprar alguma coisa.
Um dia, brincávamos de se esconder. O dia estava quente e claro, o verão costumava ser cruel nesta época mas o quintal o deixava fresco. Era início do ano e estava nas férias escolares. Estávamos entretidos falando todos ao mesmo tempo se valia ou não se esconder na horta. Seu Antônio não gostava que pisa-se nas plantas e reclamava quando lascávamos as folhas de bananeira. Na rua, podia-se perceber uma movimetação de pessoas, passantes e vizinhos conversando. Durante o falatório, a paz foi interrompida por barulhos repentinos que nos surpreendeu, para mim ainda eram novidade.
- Tiros! – gritou Marcos, o mais velho do quintal. Esse sim conhecia bem como era o bairro. Nascera lá e sabia muito bem se defender, era o mais velho entre os filhos do dono da casa. Pela surpresa dele, entendi imediatamente que não era uma coisa boa. Todos correram, mas Marcos se abaixou e se escondeu na horta, bem perto da cerca. Observei ele e resolvi voltar, fiquei bem ao lado dele o observando. Tínhamos praticamente a mesma idade e não gostava de ficar para trás, disputava com ele sempre que podia. Fiz o que pude pra não demonstrar medo, mas meu rosto estava molhado de suor, a ponto de sentir as gotas na testa correndo pela sombrancelha. Hesitei e tentei sair dali, temia ser visto e também levar um tiro, mas Marcos não deixou.
- Fica quieto! – sussurrou ele. Ele olhava fixamente para a rua por entre as brechas da vegetação da cerca, atrás das bananeiras. Olhei para fora e vi, do outro lado da rua, próximo ao muro, um homem com um revólver na mão gritando com outro que estava caído e com mãos levantadas, como que tentando explicar. Não dava pra entender muito, mas o agressor gritava X9 o tempo todo. A vítima, tentava o convencer. Não conseguiu, o outro homem disparou até que o caído parou de se mexer. Após isso, o homicida subiu a rua e sumiu por um minuto, talvez segundos e retornou com duas garrafas de álcool nas mãos. Com certeza pegou no bar no fim da rua. Esvaziou todo o líquido sobre o cadáver, pegou uma caixa de fósforos, acendeu e pôs fogo no cadáver.
Ficou observando o corpo inerte queimando por vários minutos. Depois olhou ao redor, não que busca-se algo, mas como que tivesse dando um recado. Não nos percebeu atrás da cerca. Se deu por satisfeito e desceu a rua caminhando.
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