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Explosão

Era um dia típico de  verão, quente e claro. Estava muito calor, mesmo no quintal de casa onde tinham muitas árvores e plantas. Minha mãe improvisou um chuveiro com a mangueira de jardim para nos refrescarmos. Basicamente pendurou a ponta dela na árvore e ligou para a água cair. Nesse bairro nunca se pagou água, mesmo que você quisesse pagar, a concessionária de água não atendia e não atende até hoje bairros considerados de risco. Cada um de nós, irmão e primos, ficava embaixo da água e contávamos até dez, esse era o tempo para revezarmos a água que corria. Meu pai chegou mais cedo do serviço e entrou em casa. Disse que não entregaram o material da obra e não puderam trabalhar. Mal chegou e disse que ia aproveitar para ajudar meu tio no reparo da tubulação de esgoto da casa dele. Gostei da ideia, queria qualquer motivo para sair de casa. - Mãe, posso ir com meu pai? - gritei lá do quintal, ela falou qualquer coisa que eu não compreendi mas entendi que sim. Meu irmão aproveitou para ir
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Quase morte

Rua Lote Novos número 10. Esse com certeza foi o endereço que me rendeu o maior número de memórias da adolescência. Cheguei lá com doze anos e saí com vinte, quando fui voluntário para servir o Exército, na fronteira com o Paraguai. O nome da rua explica tudo, era um dos últimos sítios do bairro que estava sendo loteado. O erro de concordância denunciava o nível de escolaridade dos negociantes. - Poderia colocar um nome mais criativo – Pensei várias vezes comigo mesmo. A Prefeitura adotou o nome escolhido no registro, se é que ela foi registrada. O que importa é que as cartas chegavam. Por ser um loteamento novo, não tinha energia elétrica na rua, então os moradores que puxavam ligações clandestinas da rua de baixo, o  famosíssimo “gato”. Eram tantos que às vezes a rede sobrecarregava e todo o bairro ficava no escuro. Foi num desses dias que essa história começa. Ficamos um tempão aguardando a concessionária chegar para consertar. Aguardávamos sentados na calça pois dentro de casa era

Execução

Era noite, num dos bairros mais quentes da zona oeste do Rio de Janeiro. O bairro Senador Camará fica muito próximo a Bangu, que sempre registra as maiores altas de temperaturas da cidade mas, não era essa a característica mais marcante desta comunidade, e sim a violência. Estávamos todos em casa: pai, mãe e meus quatro irmãos. Nossa casa era muito simples, alvenaria e laje, sem reboco ou acabamento. A porta principal era de madeira, daquelas utilizadas no interior da casa, porta de cômodos internos. Não tinha fechadura, a porta era trancada por uma corrente que passava por um buraco aberto na madeira da porta e era tancada por um cadeado. O Sol batia direto na casa o dia todo e os três pequenos cômodos viravam um forno, a ponto de meu pai, depois do por do Sol, molhar a laje, na esperança de esfriar um pouco o quarto antes de dormirmos. Ventilador, somente um, que cumpria a missão devido ao fato de dormirmos todos juntos. Ar-condicionado, não sabíamos o que era. Estávamos todos no qui

Medo da morte

Manhã de sábado, um dos  piores dias para se acordar naquele trabalho. O Sr Valdevino Silva, meu avô, trabalhava como segurança em uma pequena escola primária do bairro. Pequena, mas conhecida. Eu mesmo estudei lá na minha infância junto com meus irmãos. Seu serviço era apenas um, dormir, se fosse o caso, observar. A violência no bairro era de grosso calibre e, se a marginalidade quisesse, entraria e levaria tudo. Não queriam, “na favela ninguém rouba”, diz o código. Sua presença era mais para evitar pequenos inconvenientes do tipo, viciados que pulavam o muro para consumir drogas ou usar os banheiros. Para isso ele era muito bom. Não era alto e, apesar de ser um senhor com mais de sessenta anos, tinha uma estrutura que lhe garantia a presença necessária para fazer o oponente pensar. Provavelmente foi musculoso na juventude. Tinha olhos claros que transmitiam uma frieza de arrepiar. Era um tanto ranzinza, inclusive com os netos. Era de poucas palavras com sentenças diretas e aos sábado

Vou te levar

Violência doméstica era uma coisa comum nessa época. A frase “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” era defendida como padrão moral. Não eram meras discussões e troca de empurrões, a maior parte eram cenários de covardia praticados por homens embriagados. Não existia lei “Maria da Penha”, isso é papo de 2006. Era essa a realidade de Lurdes, nossa vizinha. Seu marido, trabalhava como agricultor numa pequena plantação de chuchu no alto do morro. Depois do trabalho, sempre bebia. Tinha muitos filhos, tantos que não conhecia todos. Lurdes muitas vezes buscava amparo na vizinhança para ter algum alimento. Era comum também vê-la indo buscar sobras no CEASA, que é um centro de abastecimento de alimentos. Mulher guerreira, forte de estrutura, pegava peso e caminhava grandes distâncias, só não sabia bater. Não estava totalmente desamparada porque sua mãe morava com ela, esta recebia uma pequena aposentadoria do governo. Ela detestava o genro. - Quando eu morrer eu vou te levar, pa

Covardias

Todos os dias, às dezoito horas, começava o Brasil para Cristo, um culto evangélico que era transmitido por dois imensos e velhos megafones que ficavam nas dependências de um asilo do bairro. Era transmitido por um casal de idosos dos quais nunca soube o nome, mas o marido chamávamos de caseiro. Eles moravam no asilo, mas tinham um pequeno cômodo com uma porta que dava para a rua, ali eles vendiam doces e balas e, todos os dias às dezoito, transmitiam o culto que eles faziam em casa. Uma vez eles nos chamaram para participar, minha mãe e os filhos. Éramos pequenos ainda e pra nós era novidade ouvir a nossa voz no megafone. Cantamos umas canções, lemos a bíblia e tudo durou pouco mais de trinta minutos. O casal adorava crianças. O motivo parece óbvio, não deviam ter muita atenção ali, presos no asilo. Já deviam ter passado de oitenta anos de idade. Andavam e falavam devagar. Quando tinham atenção, contavam todo tipo de história. O asilo ficava ao lado de um terreno que, com o tempo, foi

Recados

Em um período muito complicado de nossa família, tivemos que nos mudar às pressas de onde morávamos. Ficamos pouco mais de um ano nesta casa. A vida estava apenas começando quando começamos a ter problemas com os vizinho e, por causa disso, fazer desafetos. Em um domingo à noite, voltávamos da reunião da igreja, já próximo das dez horas , quando fomos surpreendidos com um buraco na parede. Ladrões roubaram o pouco dinheiro que tínhamos e tudo que poderíamos utilizar como arma, como ferramentas e facas. O recado estava dado, tínhamos que sair. Sem opções, dormimos duas noites na casa de um parente e depois fomos para a casa de amigos que tinham um quarto com banheiro desocupado. Estávamos lá de favor, até que pudéssemos arrumar um local para ficar. Eu, ainda criança, não me liguei em toda a seriedade do problema e onde fomos morar. Só o que observei é que a família que nos acolheu tinha quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Somados a mim e meus irmãos, éramos nove crianças em um q